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Teflon

  • Martha Sampaio
  • 15 de jul. de 2019
  • 2 min de leitura

Cozinhar coitadismos em fogo lento acaba por queimar o tempo. E o pior, sem que a gente se dê conta. Nossas decepções, frustrações, ansiedades ou o soco na boca do estômago podem colar, grudar, dar trabalho, drenar nossa energia e nos fazer escravos. Ou não.


Tem um ritual (quase desalmado) que marcou minha adolescência de um jeito que nem santo cura, muito menos terapia - suar por uma panela. Naquele tempo, panela que se prezasse era de ferro ou, na sua grande maioria, de alumínio ruinzinho. Essas tinham o poder sobrenatural de grudar qualquer alimento cozido ali. Colava mesmo. A cada ida para o fogão, mais teimosas vinham. Como trocar de panela só se fazia depois da coitada se entregar, a saída era ter músculos e a tal da esponja de aço. Deixar uma panela limpinha e clarinha era coisa para macho. Feita por mulheres, é claro. Então, quem disser que nunca ouviu o clássico de domingo: “Filha, hoje é teu dia”, ou nasceu princesa ou não teve adolescência.


Até que a tecnologia teflon chegou transformando lares e quase levando à demência a velha esponja de aço. Vai com tudo no arroz pegadinho, no que quiser. Nada gruda. Ela é teflon, pô. Logo vieram alternativas ainda mais ilustres feitas de pedra ou de alumínio nobre antiaderente. Incrível isso! Até panelas evoluem. Acontece que teflon pegou. Virou sinônimo daquilo que não cola, não gruda, não dá trabalho, não drena nossa energia, não nos faz escravos.


Um dia, desaguando alguma penúria da jornada-comum-a-todos-os-mortais a um amigo, ouvi a síntese perfeita para dosar meus dias com um pouco mais de leveza: “Tem que aprender a ser teflon.” Que coisa mais lúcida isso! E difícil.


Magoar ou ser magoado. Ter medo ou botar medo em alguém, não tem jeito - é coisa da qual a gente não escapa, pode esquecer. Ninguém só apanha e ninguém só bate. Sigo aqui com meus músculos e a minha velha esponja de aço. Mas pressinto, ali pertinho, uma esponjinha daquelas bem macias me resolvendo algumas paradas. Ou muitas. Acho que fui chamuscada por essa nova e louca lucidez. Eu, heim? Já era tempo.


Doeu? Teflon.

Até.

 
 
 

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