Para os nossos filhos
- Martha Sampaio
- 4 de ago. de 2020
- 2 min de leitura

Perdoem pela ansiedade com que guardamos vocês contra o peito, ainda tão minúsculos e frágeis, seguros que colo de mãe e pai resolve tudo, ou quase tudo.
Perdoem pelos suores debaixo das pilhas de cobertores nas noites pouco frias - essa natureza de aquecer, desesperadamente aquecer, é coisa muito nossa.
Perdoem por empurrar - "só mais um pouquinho"- no almoço e no jantar, caso contrário não iriam crescer. Somos insaciáveis mesmo, quando se trata de vocês.
Perdoem nossa hesitação no primeiro dia de escola, no primeiro passeio de dormir, na primeira viagem com os amigos, na primeira saída de carro, na primeira madrugada em claro esperando chegarem da primeira festa. Tropeçamos um pouco enquanto observamos vocês avançarem mais e mais e a passos ligeiros. Não é assim tão simples - é uma adaptação constante, e um aperto alegre e interminável no nosso coração.
Perdoem as manifestações de entusiasmo apaixonado e largo a cada pequena ou grande vitória - é difícil nos conter diante do crescimento de vocês.
Perdoem pelo abraço insistente que pretende sempre-ser-para-sempre e nunca se interromper. Perdoem por encher de beijos as faces já desejosas de outros beijos - nesse terreno do afeto, nossa vontade não amansa. Só aumenta. Perdoem por exagerarmos na dose de quase tudo, dos mimos aos puxões de orelha - esse querer profundo nos desequilibra facilmente e quase sempre.
Perdoem por estarmos lá em cada etapa, momento e minuto, extraindo o melhor e o pior de nós na vontade visceral de percebê-los plenos, felizes, serenos, íntegros e fortes. E perdoem por pedir tão pouco em troca - é importante compreenderem que a vida não é bem assim.
Chega o dia, e vocês decolam. Nós permanecemos. Sabíamos disso desde o primeiro choro, toque, desde o primeiro olhar. Perdoem por sentirmos esse silêncio que atordoa. Perdoem nossa bagunça interior vendo os quartos tão arrumadinhos e os corredores e salas sem as mochilas e os tênis, sem os livros e roupas e meias pelo caminho.
Pensamos, então, no poeta que ressoa em nós - “Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma”. Ele é sincero. E fala lindo. E fala o certo. Perdoem também por isso e pela saudade - amar demais confunde um pouco a gente. Coisa dessa ânsia da vida por si mesma, tão inevitável. Em todos nós.
Sigam firmes e em frente. Carreguem sempre e por todo o lado tudo o que aprendemos juntos. Porque a bagagem importa. E torna a viagem leve. E ajuda a lembrar que o amor é o melhor lugar do mundo onde viver.
Até.
Comentarios