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Espermatozoides voadores

  • Martha Sampaio
  • 8 de nov. de 2019
  • 2 min de leitura


Imaginação fértil é um chip que vem instalado em toda a criança que nasce, não tenho dúvida. Depois, dons e vivências se misturam para nos definir como seres criativos ou criativos-imaginativos-viajantes-além-dos-limites-da-fantasia. Meu caso. Eu acho.


Eu tinha oito, nove? Por aí. Os feijõezinhos que brotavam no meu peito davam na cara que eu me aproximava da balbúrdia do novo ciclo. Meus pais, ligados e atentos, perceberam que era hora de contar a história que explica a vida. Parcialmente. Até porque a coitada da cegonha tinha se aposentado há não muitos anos.


Entendi que a menina por dentro é assim, que o menino é assado. Que ela tem sementinhas que se manifestam todo o santo mês. Que ele tem sementinhas que se manifestam a deus dará. Que, juntas, podem criar mais e mais meninos e meninas. Que, à noite, o casal gosta de namorar. Ficam juntos na cama numa troca de afetos. E é quando a sementinha - que tem força e velocidade - sai de dentro do pai e entra na barriga da mãe (ali, por aquele caminho novo) e pronto. As duas se encontram e, quem sabe, nove meses depois, nasça um lindo bebê.


Achei tudo tão curioso que quase perdi o sono. Acontece que os pais de uma amiga (um casal feliz, unido por amor e afinidades e respeito) compartilhavam o quarto, mas não a cama. Cada um tinha a sua. Eram duas grandes camas num mesmo quarto. Separadas pelo prazer do conforto a uma distância aproximada de um metro uma da outra. Chique e civilizado. E divertido demais.


Era linda a minha a história do voo das sementinhas. Criei e recriei a cena da sementinha do pai da minha amiga voando a jato em direção à mãe dela, desafiando toda aquela distância. Em algumas noites, caía esparramada entre as camas. Em outras, vinha com tanta energia que alcançava o destino, exausta e vitoriosa. Minha heroína também desistia no meio do caminho e fazia o percurso de volta, não sem perder a pose - precisava se mostrar forte para a outra sementinha.“Nossa! Meu mundo para estar lá e ver isso tudo de perto” - sonhava e dormia. Dormia e sonhava. E adeus, carneirinhos.


O desenrolar dos dias e noites faz isso com a gente. A inocência se vai e põe a nossa espontaneidade criadora para dormir. Tudo em nós se contrai sob o peso, sei lá, de alienígenas? É cautela para lá, sensatez para cá, adequação para tudo que é lado, isso pode, isso não pode, isso é feio, isso é bonito. Previsível isso de bem crescidos, não é? E tão sem graça.


Sabe aquele livro ou filme ou música que nos enlaça de um só golpe? E nos transforma pelo tanto de significado e sentido que nos traz? Acho que é isso o que uma boa história faz. Adultos, somos só crianças com excesso de monstrinhos acumulados. Enganar alguns desses monstrinhos pode render a parte mais original, divertida, inspiradora e memorável das nossas histórias.


Até.

 
 
 

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