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Abismo

  • Martha Sampaio
  • 12 de jun. de 2020
  • 2 min de leitura



A cena asfixia. Transcende a percepção de um preconceito ainda vivo e triste para outra, pior - a da soberba de alguém convicto de sua pretensa superioridade.


A cena asfixia pelo fato e pelo tempo - 8 minutos e alguns segundos - que o homem teve para frear uma banalização infame e debochada da vida. O homem teve tempo. Teve 8 minutos e alguns segundos. Tinha escolha. E escolheu.


Era 1955. Em Montgomery no Alabama, Rosa Parks se recusa a ceder seu lugar a um homem branco no ônibus, conforme impunham as leis de segregação vigentes na época. Um ato solitário tornado coletivo. O gatilho que alimentou uma guinada no movimento pelos direitos civis. O mundo conheceu, a partir de uma sequência de eventos, a força de caráter e o carisma de Martin Luther King. De lá para cá, passado mais de meio século, muita coisa mudou.


Mudaram as leis e as formas de convívio social. Oficialmente. Como lá atrás a escravidão foi abolida. Oficialmente. O preconceito naturalizado e enraizado escraviza ainda. E mais. E, como vimos, mata. Das mais diversas formas. E nos dois hemisférios.


Há um abismo enorme entre o se proteger do explícito (que era), e o se proteger do implícito (que é). A falta de ar está no ar. Por todo o canto. É só espiar pelas janelas que não protegem, e veremos gentes e mais gentes asfixiadas em seus sonhos, em suas nascentes, em seus direitos, espaços e respeitos.


Estranhos os que se percebem acima de seus iguais. Não compreendem a sua ancestralidade? Imagine a composição humana sem os acordes e ecos do samba, do pop, do rock, da salsa, do bolero, do frevo, do blues, do axé, do clássico, do gospel, do tango, da rumba, do mambo, do jazz, do rap, da bossa, do soul...


A harmonia é possível. E vital. Formamos uma orquestração linda justamente por ser diversa. Uma pena que o mundo siga assim tão dividido: de um lado, a raça humana. De outro, qualquer coisa inclassificável.


Até.



 
 
 

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