A vida pela frente
- Martha Sampaio
- 6 de jul. de 2020
- 2 min de leitura

Livros têm poder sobre nós. Alguns pelo efeito de desacomodar, de nos colocar cara a cara com os dilemas e refúgios do nosso cotidiano. A Vida Pela Frente de Émile Ajar - pseudônimo do autor Romain Gary -, publicado em 1975, passeia por temas pra lá de sintonizados com os nossos dias. E com a gente. É narrado por Momo, um menino muçulmano de 14 anos que pensa ter 10. Mora com Madame Rosa, uma senhora judia, prostituta aposentada que cuida de filhos de prostitutas como sustento.
Momo nos encabula.
Pelas ruas e esquinas de Paris onde vive, ele nos fala de solidão, de miséria, de preconceito, de medo, de individualismos e ausências. Sem se curvar. Expressa sensibilidade, ironia e humor diante do melhor e do pior da vida. E acolhe ambos com gentileza e ânimo. Dia bom ou dia ruim para Momo é só mais um.
Em uma das muitas cenas que mexem com a gente, ele se arrisca desafiando carros que cruzam uma avenida, pela emoção de se perceber visível: “Me diverti um pouco assustando os carros, passando na frente no último segundo. As pessoas têm medo de atropelar um menino, e eu adorava sentir que isso causava alguma coisa nelas.”
Momo escolhe a esperança. Por vezes no amor ou na amizade ou na camaradagem de ocasião. Em outras, pelo impulso de sobreviver. Até no desespero ele puxa pela esperança. Se aferra a suas fantasias e persegue o improvável possível.
Momo encabula a gente pela forma como responde à aridez da realidade. Extrai leveza da dificuldade. E resiste. Qualquer que seja a dor ou a privação, sempre tem algo a dar - ele é uma vertente de empatia, de compaixão, de tolerância e solidariedade. Nos conta sobre o amor possível. Por si, pelo outro e pela vida.
Momo é um personagem de uma quase “poesia” narrada em prosa. Mas é também um belo de um tapa na cara: “Eu estava tão feliz que queria morrer porque a felicidade temos que agarrar ela enquanto está aqui.” E encerra com uma sutil provocação: “É preciso amar.”
O olhar do menino em A Vida Pela Frente pode ser um bom ponto de vista para muitos de nós. Especialmente nestes tempos de pandemia (de toda a ordem) que nos põem a repensar.
Até.
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